sábado, 12 de abril de 2008

Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!

O Carnaval de 2008 teve como data o dia 5 de Fevereiro. De acordo com a tradição brasileira, pelo menos os cinco dias anteriores tiveram suas atividades suspensas para que a folia reinasse -- o que significa dizer que, desde o último dia de Janeiro, o país se encontrava imerso num mar de confetes e serpentinas. Aliás, já nos finais de semana do mesmo mês, os blocos invadiram as ruas da Cidade Maravilhosa, anunciando a chegada do feriadão mais festejado do Brasil. Nesse cenário, a entrega simbólica da chave da cidade para o Rei Momo, que marca o início dos festejos com os desfiles das escolas de samba e dos mais de 80 blocos oficiais, não passou de mera formalidade. Com a cidade lotada (de cariocas e turistas) não houve batucada que ficasse vazia.
Devemos ter em mente, entretanto, que o Carnaval de rua do Rio de Janeiro não foi sempre assim. Durante a década de 1980 e 1990 o maior -- e praticamente único -- evento da cidade era o desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, o qual deixava a maior parte da população marginalizada, como conseqüência dos preços aviltantes. Por outro lado, não havia a quantidade de blocos de rua que podemos verificar hoje. Atualmente, o desfile das grandes escolas encontra-se na mesma situação, ou seja, permanece inacessível para aqueles que não têm maiores recursos. Contudo uma análise sócio-econômica mais aprofundada do carnaval é tema para outro texto. Basta apenas considerarmos que, com a difusão do carnaval independente (ou seja, fora da Sapucaí), as pessoas têm mais opções para se divertir, numa espécie de contra-cultura carnavalesca.
Sem maiores pretensões, o que proponho a fazer é um breve exame da revitalização do carnaval de rua no Rio de Janeiro e, conseqüentemente, da volta da cultura carnavalesca fora da Sapucaí. Para tanto, além de utilizar algumas informações disponíveis na internet (tais como número de blocos e precisão de datas, por exemplo), conto com as observações de uma foliona que, recentemente, aprendeu que o melhor lugar para pular o carnaval é no Rio.
Oriundo do popular Entrudo lusitano -- característico do período colonial --, passando pelas promenades burguesas de influência francesa no pós-independência, é somente no final do século XIX e começo do XX que o carnaval de rua carioca passa a englobar a “civilidade” burguesa e a ludicidade popular, na forma de blocos, ranchos e cordões. Na década de 1930, com Vargas na presidência, tentou-se forjar uma identidade nacional, a qual teve sua maior expressão no casamento entre o samba – anteriormente marginalizado -- e o carnaval. Formou-se, então, um espaço de contato entre as diferentes classes sociais. Era o início de uma simbiose que faria do carnaval brasileiro o mais famoso do mundo.
Em meados do século XX, sobretudo na década de 1960, o carnaval carioca atingiu seu ápice. Foi a partir de então que, pouco a pouco, a produção e organização das escolas de samba e dos blocos mais famosos passaram para o comando da classe detentora dos devidos meios e recursos. Percebeu-se que o carnaval oferecia uma enorme capacidade de gerar dinheiro e logo, logo, a festa de caráter mais democrático foi engolida pela indústria da cultura. A primeira providência foi transferir, no ano de 1985, o desfile das escolas de samba -- outrora realizado gratuitamente na Praça Onze -- para a Sapucaí, onde o evento passou a ser pago, como ressaltamos anteriormente. Em seguida, vieram medidas que visavam a padronização do desfile; um limite de tempo foi estabelecido, determinadas alas tornaram-se obrigatórias, o número de integrantes passou a ser regulado e até o samba passou a ser feito com um tema pré-estabelecido! Enfim, perdia-se a espontaneidade de tempos idos. Todo esse investimento valeu a pena, já que o desfile das grandes escolas de samba cariocas tornou-se um produto altamente rentável -- para as emissoras de T.V, para as empresas que passaram a explorar o setor de serviços do novo espaço, para as agências de turismo, entre tantas outras formas de inserção no crescente mercado --, que era vendido nacional e internacionalmente. Nesse contexto, com as atenções voltadas para o Grande Carnaval -- repleto de famosos e turistas --, não é difícil imaginar que o carnaval de rua, aquele de gente comum, onde bastava ter disposição para se divertir e samba no pé, foi definhado até quase cair no esquecimento.
Não é meu objetivo, entretanto, apontar a absorção do carnaval pela Indústria Cultural como único fator explicativo para a decadência dos blocos de rua. Também não tenho a intenção de promover um saudosismo melancólico baseado em um tipo ideal weberiano de folia. Portanto, levantarei, em seguida, alguns pontos que parecem cruciais para desenvolver a trajetória do carnaval no Rio de Janeiro. No artigo “A revitalização do carnaval de rua no Rio de Janeiro”, Márcio Marques, um museólogo formado pela UNIRIO, aponta algumas questões que podem nos fornecer reflexões deveras interessantes para o tema. Vejamos.
Além de atentar para o fato de que as escolas de samba foram cooptadas pelos interesses da indústria cultural, o autor também nos mostra que a entrada de novos ritmos em cena foi um fator que contribuiu para que o samba fosse deixado de lado. A penetração da Black Music, durante os anos 1980, tanto na Zona Sul, quanto nas áreas mais pobres da cidade é um exemplo. Havia pouco espaço para o samba nas grandes gravadoras. Nesse ponto, arrisco-me a ir mais além do que Márcio Marques. Explico-me: durante a década de 1990, foi a vez do Axé Music invadir o mercado fonográfico brasileiro, fato que rendeu ao carnaval baiano -- local de origem de tal gênero musical -- o título de melhor carnaval do país, com seus inúmeros trios-elétricos (bem diferentes daquele que Caetano cantou em 1968: “atrás do trio-elétrico só não vai quem já morreu...”), nos quais o cantor e/ou grupo da moda comandavam os blocos de abadá (que, ainda na época de Caetano, tinham outro significado). Foi então que a Bahia tornou-se o destino predileto das pessoas que dispunham de maiores recursos para brincar o carnaval, o que deixava a cidade esvaziada durante o período. Já no final da mesma década, o funk esteve em ascensão no Rio de Janeiro e nos poucos lugares em que se mantiveram as comemorações de rua, o ritmo monopolizou a audiência. É claro que não se deve generalizar essas reflexões; os tradicionais blocos de enredo (como o Bafo da Onça e o Cacique de Ramos, por exemplo) mantiveram-se firme no que diz respeito ao samba e ao caráter lúdico do carnaval.
Márcio Marques também não nos deixa esquecer os fatores políticos, como a Ditadura Militar, que, além de provocar um clima de obscurantismo social, via com maus olhos as aglomerações de jovens e populares. A construção da Ponte Rio-Niterói (obra da mesma Ditadura) também contribuiu bastante para o esvaziamento da cidade, pois facilitou o acesso à Região dos Lagos.
É somente por volta do começo do século XXI que o carnaval baiano começa a perder sua hegemonia. Surgem outros destinos, tais como Ouro Preto e Olinda, que oferecem diversão sem os preços inflacionados dos abadás. Entretanto, rapidamente esses destinos alternativos -- sobretudo Ouro Preto -- adotaram o mesmo sistema de blocos com cordão de isolamento e abadás, tão característicos da Bahia. É então que o Rio de Janeiro volta a ser a menina dos olhos dos foliões cariocas. Cada vez mais pessoas passaram a permanecer da cidade -- seja pela quantidade de blocos, que também aumentou, seja pela redução no nível de vida da classe média, que passou a economizar com as viagens, seja por outros motivos. Os blocos se espalharam pela Zona Norte, Zona Oeste e, principalmente, pelo Centro e Zona Sul da cidade. Blocos que resgataram os sambas antigos, as animadas marchinhas, as fantasias (que devolveram o colorido e a diversidade que os abadás nos fizeram esquecer), as batalhas de confete... São blocos democráticos, onde todos (ricos e pobres, feios e belos, chatos e bacanas, pretos, brancos e amarelos, etc) podem brincar juntos, sem distinções. É óbvio que não podemos esquecer as mazelas sociais que nos assolam; é duro ver o catador de latinha e os vendedores ambulantes tentando ganhar a vida enquanto os outros se divertem. Isso mostra, inclusive, que mesmo nesse carnaval mais democrático, nossa sociedade não é igualitária. São questões que não podem ser pensadas separadamente, mas que não serão desenvolvidas aqui por pura falta de espaço. Por enquanto, é suficiente lembrar que, enquanto houver hierarquia social não pode haver carnaval para todos. Viva a revolução carnavalesca!
Juliana Lessa

Um comentário:

Daniel disse...

Ah! Áureos tempos em que as pessoas iam pular, gritar, brigar, beber e mijar nas ruas de Salvador, de Olinda e de Ouro Preto.
Agora temos que aguentar engarrafamentos e vandalismo. Isso sem mencionar o fato de que nossos impostos são distribuídos em forma de doses de glicose para beberrões!
Viva a folia, mas que ela seja feita na Região dos Lagos, na Av. Paulista e no Quinto dos Infernos!

Texto bem legal. Juliana, um amigo meu adora fazer trabalhos sobre como o Caranaval ajuda a construir a imagem do Brasil no exterior. Quer que eu arrume alguma coisa com ele?