terça-feira, 4 de março de 2008

"Voto Consciente"

Nas últimas eleições municipais, em 2004, eu fui às urnas pela primeira vez. Ainda lembro da sensação de cumprir um dever cívico. Durante anos, eu discuti sobre política, falei do que sabia e do que não sabia, profetizei sobre o país, defendi meu partido e critiquei meus colegas comunistas. Finalmente, tinha a chance de votar. Não me interessava se naquele domingo outras tantas pessoas fariam o mesmo. Nem pensei sobre o fato de minha ação ter, numericamente, uma importância reduzida. Eu ia mudar o mundo!
No período de campanha eleitoral eu estudei muito. A eleição se tornou minha matéria predileta. A Matemática dos votos, a História dos candidatos e a Geografia dos partidos ganharam as minhas tardes. Nunca li tantos jornais! Minha mesada tinha que ser dividida entre a merenda do recreio, o cinema dos fins de semana e as minhas fontes principais de informação. Compareci a inúmeros debates e convenções. Um dia fui até o Méier só para poder conversar com um sujeito que pleiteava o cargo de Vereador da minha cidade.
Após este trabalho árduo, me convenci, ou me convenceram, de que o melhor candidato era o José das Couves. Suas idéias eram liberais, ele acreditava nas privatizações e faria de tudo para evitar uma nova onda inflacionária. Além disso, em minha pesquisa, eu descobri que ele era o verdadeiro “paladino da ética”. Em seu período na administração pública, ele fora diretor de diversas empresas e sempre puniu com rigor os corruptos que encontrou. Tinha mais, anos antes esse candidato lançara um livro com diretrizes para o país. Eu votaria em um vereador que tinha um projeto nacional!
Logicamente, por acreditar nas idéias de José das Couves e em seu partido, eu me “alistei” para a batalha. Munido de panfletos e bandeiras, saí pelas ruas do Rio disposto a convencer o povo a apoiar meu candidato. No entanto, em uma dessas conversas (que tinham esse nome só porque catequese é muito feio) eu me irritei com o Seu Jair, meu porteiro. A situação foi rápida, eu quis evitar um bate-boca. Chegando em casa, eu perguntei se ele já tinha um candidato para vereador. A resposta veio na lata: “Claro! Vou votar no Ricardinho da Mangueira.”. Impressionado com a convicção política do homem que passava o dia inteiro abrindo portas, que, por ser semi-analfabeto, não lia jornais e que, ao invés de ver o noticiário na TV, ao chegar em casa preferia dormir cedo, eu perguntei o que o levava a votar no tal do Ricardinho. Foi aí que me irritei: “Pô garoto, o Ricardinho é gente boa! Prometeu até um emprego pra minha mulher.”.
Abri a porta do meu apartamento desolado. Eu passara os últimos meses estudando, pesquisando e lutando por um país mais justo. Enquanto isso, meu porteiro nem ligava para as eleições e ia votar em um candidato malandro só por que este prometera um emprego pra mulher dele. Porém, como eu sou um cara equilibrado, eu resolvi pensar mais sobre o assunto. Veja bem, eu sabia muito sobre diversos candidatos. Havia gasto meu tempo e dinheiro pra descobrir qual seria a melhor opção para o Rio, para o Brasil e para o mundo. Eu tinha um voto consciente! O meu porteiro representava o atraso, era o tipo de pessoa que atravancava o progresso brasileiro. Tudo bem, o voto dele poderia ter o mesmo valor quantitativo que o meu, mas, como eu disse, o meu era consciente.
Agora, já no final de 2005, eu resolvi olhar para trás e fazer um balanço geral do panorama político. O José das Couves e o Ricardinho da Mangueira conseguiram se eleger e passaram os últimos doze meses definindo as políticas públicas de nossa cidade. Quer dizer, enquanto o meu candidato formulou 57 propostas de melhorias, tomou a frente na Comissão de Ética da Assembléia e possibilitou a liberação de mais verba para a educação e para a saúde, o Ricardinho conseguiu o emprego prometido para a mulher do meu porteiro e mais uma meia dúzia do seu curral eleitoral. Isso prova que eu estava certo.
Ontem, ao chegar do colégio, fui conversar mais uma vez com o Seu Jair. Falei sobre tudo o que eu tinha pensado, tentei fazer meu papel de educar esse povo e mostrei para ele que o meu voto tinha ajudado a colocar um excelente político no poder e que o dele não serviu de muita coisa para a sociedade. Terminei meu discurso com um imponente, “Seu Jair, é importante que você tenha um voto consciente!” Após pensar durante uns segundos, o Seu Jair respondeu: “É verdade rapaz, mas esse ano o Papai Noel vai visitar meus filhos pela primeira vez.”

Por Daniel Edler

6 comentários:

Unknown disse...

Se vc ñ pagassem tão mal seu porteiro, quem sabe o voto dele não tinha sido mais "consciente"! É Daniel, ninguém pode dizer que sua visão política não segue uma linha bem clara... minha opinião a respeito, tds sabem...

Daniel disse...

Não sei se eu não entendi seu comentário ou você não captou as críticas no texto. Minha intenção foi justamente problematizar a idéia do voto consciente, por isso as aspas no título, os exageros nas imagens e o silêncio no final.
Na verdade a idéia foi fazer uma paródia das minhas experiências ( que, de certo modo, tb são as de vocês). Era mais uma reflexão que uma acusação ou constatação. A solução? Penso sobre isso de tempos em tempos e ainda não cheguei a uma. Acho que essa foi minha motivação pra escrever esse post.

Unknown disse...

Eu gostei do texto. Pelo menos o que entendi, que acho não ter sido a mesma coisa que o Alexandre entendeu.

Achei especialemente intrigante (ou sugestivo), o Daniel ter dado o nome do próprio cachorro ao político em quem ele decidiu votar. Freud explica...

Daniel disse...

Meu cachorro é chique, tem até nome de vereador!
Agora sinceramente, se ao invés de assinar "Daniel" eu tivesse colocado ""Márcio", "Marco" ou "Faiaia" vocês não teriam tido problemas pra entender!
Que preconceito ein?!?!

Daniel disse...

caros,
quem será o proximo a postar alguma coisa no blog!??!
Façam disso um hábito ou a idéia não vai pra frente!

Gabriela Roméro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.