sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

O pipoqueiro na guilhotina

Conceitos moribundos rondam nossas conversas. Suas vidas úteis já acabaram, mas continuam suas frágeis existências, pois a maior parte das pessoas não compreendem que estão obsoletos. Pobres velhinhos que não vêem a hora de descansar em paz, porém, são importunados por intelectuais saudosistas, carentes da época em que esses termos ainda possuíam um significado compreensível.
Os conceitos políticos são os mais violentados. Não é possível que, passados mais de duzentos anos da revolução francesa, ainda se usem termos empregados para classificar grupos políticos a partir do lugar em que se sentavam nas assembléias. Ou então, que se insista em utilizar expressões que faziam sentido na Europa de Marx, mas nada dizem em um mundo globalizado e cada vez mais dinâmico.
Como falar em burguesia, por exemplo? Ora, se um indivíduo é dono de sua carrocinha de pipoca, é um burguês. Já o especulador da bolsa, apesar de ter uma influência muito maior na penúria de sociedades a léguas de distância de Wall Street, ganha milhões sem possuir meio de produção algum e, por isso, não é burguês. Opiniões políticas à parte, não acredito que Marx incitaria os proletários a lutar contra o pipoqueiro.
Outro exemplo, o qual já mencionei de passagem, é a definição de esquerda e direita. Esses conceitos acabaram por, com o tempo, adquirir dois valores diferentes, que na época fazia sentido andarem juntos. Diz-se de esquerda a pessoa cuja diretriz política é mais voltada para o aspecto social e/ou faz oposição ao poder vigente. Isso, porque os jacobinos, além de opositores do primeiro governo da revolução, eram os maiores defensores das mudanças de cunho social. Conseqüentemente, de direita seria a pessoa com interesses numa política mais preocupada com a economia e que está vinculada ao governo do momento. Esse emprego se dá graças ao posicionamento dos girondinos. Duvido que Fidel Castro se identifique com Robespierre.
Com o tempo, os conceitos se tornam dúbios e precisam ser repensados. Senão, corremos o risco de tentar maquiá-los, dando uma aparência nova a uma expressão que, mesmo parcialmente remodelada, já se encontra vazia de sentido. Como aceitar termos como socialismo de mercado? Os países que adotam este sistema pessimamente batizado podem até não gostar de serem associados aos capitalistas, mas comunistas não são. Se a China recusa a idéia de democracia por considerá-la uma invenção ocidental, deveria ser coerente e inventar um novo nome para o modelo político que estão criando. A não ser que o termo socialismo tenha sido expropriado pela revolução e se tornado oriental da noite para o dia.
Ao se utilizar conceitos antigos, existe a garantia da adesão à idéia das pessoas já familiarizadas com certas palavras. Ninguém quer correr o risco de perder adeptos tão fiéis. Renomear o que está a nossa volta, quando envolve ideologia, requer uma minuciosa explicação àqueles que se sentem órfãos de nomenclaturas.
O mundo muda, as políticas mudam. Não faz sentido que os mesmos nomes signifiquem situações tão diferentes. Precisamos nos desapegar dos conceitos caducos. Ou então, guilhotinar o pipoqueiro.

Gabriela Roméro

5 comentários:

Unknown disse...

Os conceitos têm como objetivo fundamental agrupar sob uma mesma nomenclatura coisas, fenômenos, eventos, grupos, etc distintos entre si, estejam estas diferenças colocadas no tempo ou no espaço. De saída, acho que já dá pra perceber o quão complicada é essa tarefa. Aidna assim, são - e continuarão sendo - fundamentais para qualquer tipo de análise social conseqüente, de modo que não podemos abrir mão deles.
A tarefa, então, parece ser a da verificação da pertinência de dado conceito para cada situação particular.
Já que a díade conceitual abordada prioritariamente no texto é direita/esquerda, devo dizer logo que não concordo com a alegada superação de sua validade, ainda que também não concorde com as possíveis definições oferecidas pelo texto. Ainda que eu mesmo tenha dificuldades para elaborar definições claras e concisas acerca das significações de todas as atitudes e posições que possam se enquadrar nesses dois conceitos, acredito em algumas bases: em primeiro lugar, devemos estar atentos para como a esquerda (ou as esquerdas, se preferirem)está sempre mais atenta para a historicidade dos fenômenos, ou seja, ao fato de que as coisas mudam, sejam elas os homens, as sociedades, ou o que quer que seja, ao passo qua a direita (e, especialmente a nossa direita atual) tende a mostrar certos pontos-chave como imutáveis; em segundo lugar, acho que podemos pensar também que a (verdadeira) esquerda está sempre mais preocupada com a ampliação (para não dizer democratização, o que geraria outro debate bem longo) dos meios e processos decisórios - em suma, do poder; por último, acho que deve ser levada em conta também a relatividade desses conceitos, tanto em relação ao tempo e lugar em que os utilizamos, quanto um em relação ao outro - lembremo-nos de que não existe esquerda sem direita, e vice-versa. Talvez Fidel não se identifique muito com Robespierre, mas em seus respectivos contextos, ambos tiveram muitas atitudes que, sem sombra de dúvida, eu qualificaria como "de esquerda".

Por fim, só uma pergunta: por que nunca vemos pessoas que se identifiquem ou sejam tidas como "de esquerda" defender a inutilidade total desses conceitos?

Unknown disse...

Eu tbm sempre me questiono sobre essa nomenclatura, mas ao contrário da Gabriela, me convenci q, como quase todo o conceito político, ele ñ é exato nem perfeito, mas creio q se aplica, até hj... Qnd analisa-se mais o âmago da questão, vê- se q se aplica. Qnd vc (gabriela) fala dos girondinos e da direita, vc usa a palavra governo. Eu usaria uma palavra mais forte, ñ é governo (gdes merdas, o lula é presidente e ñ manda em nada), é poder. Poder em tds suas variantes, político, econômico e, recentemente, até poder direto sobre a cabeça das pessoas, talvez o mais forte de todos. Conceitos mudam e adquirem novas formas, se adaptando ao tempo. Direita é hj mt sinônimo de conservador, as vezes liberal, as vezes ñ (vide os DEMOs). Esquerda é sinônimo de "progressista", pp./ no que tange a questão social e de questões humanas polêmicas (casamento gay, aborto etc). Uma pessoa pode ter posições ditas de direita erm um campo específico e de esquerda em outro, nada impede.(Obs.: A polarização ocorre mt nos EUA, o pq eu ñ sei) Ah, só mais um detalhe, pq tenho q preparar as coisas pra dormir pq amanhã tenho aula. Já existia pipoqueiro (ou símiles) na época de Marx e na Revolução Francesa. Nem por isso os conceitos criados em uma ou em outra ñ se aplicavam... fazer pipoca ñ é exatamente deter um meio de produção, ter mais-valia....
Um comentário a respeito do que o Marco falou no final, uma frase do filme "Advogado do Diabo" (eu sei q ñ é uma bibliografia muito respeitável mas vai) - a maior vitória do diabo foi fazer as pessoas acreditarem que ele ñ existe... I.E., seria o mesmo que acreditar que como não há divisão entre direita e esquerda, linhas ideológicas definidas, que seria td a msm coisa, diferenciando-se por meras circunstacialidades... q PSDB e PT seriam iguais...

Unknown disse...

Marco, sendo talvez um pouco rasa, acho que o motivo pelo qual as pessoas "de esquerda" não questionam essas nomenclaturas é o simples fato de eles servirem justamente a elas. No caso específico de direita/esquerda, como você e o Alexandre mesmo disseram, é o segundo grupo o identificado com as mudanças, com uma análise social consciente etc.
Se eu me identificasse com esse pensamento (o de "esqquerda"), também não abandonaria tantos elogios gratuitos tão facilmente.

Unknown disse...

Gabriela,
Essa é a nossa visão da nomenclatura ou conceito, "esquerda", mas se você perguntar para muita gente eles certamente não abordarão a "esquerda" desse modo... é q vc tbm tem uma visão "vicentina" de esquerda, quase como um elogio. Ouvirá coisas como serventes do diabo, baderneiros, comedores de criancinhas, comunistas, romântica, visão de mundo ultrapassada, hipócrita e quiçá até anti-democráticos. A Veja por exemplo chama Che Guevara e Carlos Lamarca de assassinos, ladrões, aproveitadores, golpistas etc. É tudo uma questão de visão de mundo, como tudo...

Daniel disse...

Alexandre, sem dúvida existem visões distintas acerca da esquerda. No entanto, mesmo a crítica mais vil ao Fidel é melhor do que o maior elogio proferido a respeito do Médice.
O fato de serem dois ditadores, malvados, comedores de criancinha, golpistas e etc é o que menos importa?