segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

O continente do futuro (ainda no passado)

O olhar de um universitário latino-americano acerca da região em que vive e constrói sua identidade pode, e é provável que seja, amplamente distorcido. Inserido nas complexas relações sociais de interação/identificação existentes, deixamos aflorar nossas crenças e ideologias, perdendo o foco sobre as verdadeiras questões que devem ser enfrentadas. Apesar disso, neste texto me proponho a analisar o objeto “América Latina” com um enfoque “de dentro” e “para dentro”, ou seja, os nossos problemas, como estes nos afetam e a nossa culpa pelos mesmos. Acredito que a influência de “outros” em nossas políticas seja também considerável, mas a forma de participação da sociedade civil regional e dos próprios Estados representam os mais sérios entraves para o nosso messiânico progresso.
O último século foi palco de diversas transformações no continente americano. Vivemos períodos de conturbação política, de estabilidade ditatorial e, raras vezes, de continuidade democrática, mas, o principal, encontramos, como resultado de todo este processo, um aprofundamento da dependência da iniciativa estatal. Em análise comparada com os EUA, pode-se perceber que não tivemos nos barões do café brasileiros, nos estancieros argentinos ou nos latifundiários mexicanos, uma iniciativa privada independente das políticas econômicas dos governos vigentes. Enquanto Rockfeller gerava a Standart Oil, Thomas Edison impulsionava a General Electric, tudo o que tínhamos eram “coronéis” políticos e econômicos que pouco investiram em uma infra-estrutura perene. Acredito que esta seja a principal diferença que permitiu aos EUA um rápido desenvolvimento e mergulhou o resto do continente na sina da pobreza[1].
A análise do desenvolvimento histórico desta questão se faz importante por dar luz a diversos acontecimentos atuais. Vemos um processo de industrialização insípido graças a estas amarras ao investimento externo e interno sem controle governamental. Países da Ásia e do Leste Europeu já perceberam o que economistas do mundo inteiro enfatizam a décadas: o nacionalismo econômico, priorizando o mercado interno, causa distorções nas leis de mercado, prejudicando os consumidores e não incentivando os produtores. Esta política de industrialização foi largamente implantada na região, resultando exatamente no que imaginavam os economistas liberais, mercado interno sub-abastecido, inflação, e indústrias pouco competitivas.
Outro fenômeno sui generis, também fruto deste ideal nacionalista e da força do Estado, é o Populismo. Reforçando uma clivagem interna e externa, governos personalistas buscaram alternativas para o desenvolvimento da região, mas, invariavelmente, caíram na retórica vazia, acusando “agentes externos” e “as elites” pela famigerada situação de toda a América Latina. Políticas públicas de cunho assistencialistas, ainda hoje existentes, remetem a estes tempos. O Estado se tornou o centro de toda a economia[2], permitindo a incidência do aparelhamento das empresas estatais por partidos políticos, larga escala de corrupção e, principalmente, a falta de dinamismo nos investimentos.
Atualmente, vivemos a herança deste fenômeno, o “Leviatã” se transformou em “elefante branco”, a pobreza se tornou crônica, cíclica. O problema parece ser mais grave se tivermos em mente as opiniões de Jorge Castañeda, ex Ministro das Relações Exteriores do México. Para ele, temos um retorno destas práticas nacionalistas, com figuras carismáticas e discursos desenvolvimentistas. O ex-ministro traça um eixo neo-populista altamente prejudicial para a região. Sob o comando de Hugo Chávez, diversos movimentos similares estão tomando força: o MAS (Movimento ao Socialismo) elegendo Evo Morales na Bolívia e a Alianza País liderada por Rafael Corrêa no Equador são bons exemplos deste novo rumo. Baseando as políticas públicas na alta temporária do preço das commodities, estes governos reiteram os discursos assistencialistas, aumentando os gastos públicos em programas que não trazem um desenvolvimento econômico, ou, sequer, um aprimoramento da infra-estrutura interna. Outra importante característica deste movimento é a crítica exacerbada à atuação americana no plano internacional. O anti-americanismo de Hugo Chávez pode ser proveitoso para colocá-lo na mídia, mas certamente prejudica a imagem da Venezuela e sua inserção nas relações regionais, diminuindo assim o fluxo de investimento privado para o país.
Acredito, baseado nos preceitos apontados por Castañeda, que os principais problemas da América Latina estão relacionados a uma tradição de dependência de um Estado “bem-feitor” e de políticas paternalistas que, de tempo em tempos, acalmam os movimentos sociais através de gastos públicos irresponsáveis. O pleno desenvolvimento da região acaba sempre sujeito a uma estabilidade democrática, o que, excetuando-se em alguns poucos países, entre eles o Brasil, parece estar longe de tornar-se uma realidade. Governos antidemocráticos e práticas ditas populistas, como demonstra a história, simplesmente não combinam com crescimento sustentável, progresso econômico e melhorias sociais. Enquanto líderes aos moldes de Hugo Chávez “derem as cartas” na política regional, a América Latina continuará inserida no círculo da pobreza e viverá a sina do subdesenvolvimento.

[1] Corroborando esta lógica há o célebre discurso do presidente americano John F. Kennedy – “...não se pergunte o que o seu país pode fazer por você e sim o que você pode fazer pelo seu país.”
[2] No México, por exemplo, mesmo após as reformas liberalizantes, o Estado é responsável por cerca de 40% do PIB.

4 comentários:

Unknown disse...

Daniel,
Acho o seu texto um conjunto de asnices liberais. O final dispensa comentários... Creio ter diversos fatos não exatamente errados sobre os EUA, mas não corretamente abordados, pois o que definiu os EUA como potência industrial teve suas bases antes da que muitos chamam "Era das Corporações" (veja o filme "the Corporation" que fala sobre isso). Achar tbm q o Estado Americano ñ auxiliava de modo fundamental, política e economicamente esses milhonários que geraram concentração de riquezas imensas nos EUA naquela época é no mínimo ingênuo. Outra coisa, a própria Standard Oil foi uma empresa dividida pelo governo americano pelas leis antitruste que entraram na história como exemplo da necessidade de regulação do mercado pela tendência ao monopólio (os guardiães do liberalismo regulando o mercado, quem diria.... até parece, eles fazem isso sempre q precisam...). Último comentariozinho (talvez venham outros depois...), se a influência do Estado na economia é tão fundamental à pobreza, impede o desbrochar da iniciativa privada como um grande guarda- sol sobre um girassol, pq os países europeus, q tbm tem esse "nacionalismo econômico" como vc chama, ñ afundaram na pobreza (pelo menos ficariam um pouquinho mais pobres né?!) e sim são sedes econômicas de gdes empresas, estatais (como a elf-?, light) e privadas (nokia, telefonica, VW...)?
Última coisa, agora última msm... o Brasil é pobre e tem tds suas gdes empresas geradoras de renda (exceto petrobras) voltadas para o mercado exterior, sem falar do agronegócio, pp./ a soja. O investimento foi muito voltado para desenvolver isso msm, exportação (pessoal gosta mt das verdinhas msm...). Historicamente, quem começou assim? Nos EUA meu caro, só se for o Sul... A idéia de fortalecimento de mercado interno é deles, pra falar a verdade, remonta a Ford e a antes dele...

Daniel disse...

Alexandre,
a parte em que eu trato sobre o desenvolvimento nos EUA realmente ficou um pouco defasada. Eu não queria me alongar muito nesta questão, apenas mostrar um contraponto com a realidade da AL. Como você resolveu focar nela eu vou falar um pouco mais.
Eu tomei como base um livro chamado “Os Magnatas” do Charles Morris. Não sei se você conhece, mas a idéia do autor foi pegar a biografia de grandes industriais norte-americanos e mostrar como suas trajetórias se identificam e enroscam com o desenvolvimento nos EUA. Nesse sentido, ele fala da criação da Standart Oil, dos bancos do Morgan e de mais dois grandes homens, o Jay Gould e o Andrew Carnegie (um com linhas de ferrovia e o outro eu não lembro). Enfim, depois de ler esse livro eu fiquei pensando um pouco sobre o que eu estava justamente estudando na época, a formação econômica do Brasil. É lógico que pegar as teorias e práticas econômicas do século XIX e transportá-las para o mundo atual causa diversas distorções, por isso eu peguei a única coisa que achava que ainda se aplicava, a relação entre a iniciativa privada e o Estado.
Num “economês” chato que talvez entretenha o Márcio, o Morris mostra como se deu, por exemplo, a proteção das siderúrgicas americanas e relata brigas absurdas entre os grandes industriais e as práticas do governo. A idéia que habitava as cabeças dos yankees há 150 anos (e que ainda habita a de vocês) era de que mesmo pagando mais pelo aço nacional, eles estariam desenvolvendo um setor interno e que isso, por si só, compensaria os prejuízos. No entanto, com um olhar que eu confesso ser totalmente teleológico pode-se perceber como esses prejuízos eram não só injustificáveis, mas atrasaram enormemente o desenvolvimento de outras áreas. Enfim, quando o Estado entrava, ao invés de ajudar no desenvolvimento do país, atrasava todo o processo.
Há também neste livro uma defesa do Morgan da rápida financeirização da economia americana. No final do século XIX, apesar de ter índices de produção já muito superiores aos da Inglaterra, os EUA ainda sofriam por não ser um grande pólo de atração de capitais e não controlar o mercado financeiro. Na época, o governo americano ainda tinha a mentalidade de que dinheiro em bolsa e especulação de capitais é jogatina e impunha inúmeras barreiras aos investimentos nesta área. O que aconteceu? Apesar de já serem a maior potência industrial do mundo, precisaram de mais uns 50 anos para se firmarem como principal ator da economia mundial!
Bom, sobre as empresas européias não sei nem se vale comentar. O continente inteiro vive em crise. A França e a Alemanha têm taxas de desemprego entre jovens maiores que as do Brasil. Eles se enquartelam dentro de uma organização regional, criam um banco central único, mas não se entendem em quase nada. Promovem políticas estúpidas de proteção que garantem o emprego de meia dúzia de produtores agrícolas e deixam o resto da população arcar com os maiores custos. Por fim, as poucas empresas que se salvam são as que copiam o modelo americano e asiático e, apesar de algumas serem estatais, funcionam com uma autonomia bem maior que os nossos “monstros públicos”. Sinceramente, cada vez mais eu acho que o que salva a Europa são apenas os turistas!

Unknown disse...

Um comentário rápido sobre dois elementos que você citou: o crescimento dos benefícios obtidos por megaempresários - que certamente tbm incrementa os números de crescimento econômico do país (que mt vez acaba por ser um indicador sem gde significado para redução da pobreza e da miséria em um país - vide soja)- por dominar mais o mercado (mesmo que seja algo inovador cuja criação seja responsabilidade da empresa do(s) megaempresário(s), como por exemplo os softwares da Microsoft)não estimula o empreendedorismo competitivo que favoreceria o consumidor com redução de preços. Acontece justamente o contrário com essa monopolização ou oligopolização do mercado causado pelo surgimento de gigantescas corporações fundidas, o aumento dos preços e oneração do consumidor. A não ser que haja algum tipo de controle ou correção desses acontecimentos típicos do mercado... (certamente infartei alguns liberais com essa afirmativa, hehe)

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.